Contos de Ernane Martins

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A Barata da Vizinha


É engraçado contar essa história. Aconteceu numa festa. Mas não fui convidado e nem entrei como penetra, mas foi como se estivesse presente na festa, visto os convidados, a animação, os comes e bebes, a bagunça e a bendita banda que começou a tocar a meia-noite.

Era a festa de inauguração de um casarão, no alto do morro, na rua oposta aquela que resido. O casarão se localiza há uns 50 metros da minha casa, que se encontra quase no comecinho do morro. 

Ao anoitecer, eu tinha ouvido o som da festa, nada exagerado, nada que pudesse me causar algum incômodo. Já estava quase chegando a meia-noite e a inauguração, no meu ingênuo palpite, seguia em ritmo de encerramento, com todo mundo já tendo jantado. Fui me deitar certo de que o barulho que ouvia não atrapalharia meu sono. De repente, a meia-noite em ponto, uma banda começa a tocar em alto volume.  

Quem disse que conseguia dormir com a voz do cantor dentro do meu ouvido, junto com os instrumentos musicais, com aquela música que ia do rock a MPB, passando por outros ritmos, sempre brasileiros. 

O que me tranquilizava um pouco era saber que a banda, que imaginei que havia sido contratada pelo dono do casarão, logo encerraria o show. Então conseguiria dormir mesmo perdendo umas duas horas de sono. 

Ledo engano. Acho que já passava das duas horas da manhã e a banda seguia com o show, parecendo cada vez mais animada. Cheguei a conclusão que a banda deveria ser integrada pelos parentes dos donos do casarão. Por isso que ela não encerrava as suas atividades e nem dava ares de que se encerraria. 

Tive vontade de chamar a polícia. Mas nunca fui um estraga prazer. Esperei que os vizinhos fizessem o trabalho sujo por mim. Esperei a toa, porque eles não fizeram. Outra hora, pensei em me levantar da cama e ir até o casarão, reclamar do som, até que horas que vai essa droga de festa aí. Quem sabe eles não me convidassem para participar da festa, oferecesse uma cerveja e um prato saboroso. Quem sabe eu não aceitasse o convite e não começasse a me divertir na companhia deles. Porém só me mexia para virar de um lado pra outro da cama. 

4 horas da manhã, então começou a tocar a música A Barata. 

  Toda vez que eu chego em casa,
a barata da vizinha está na minha cama.
Toda vez que eu chego em casa,
a barata da vizinha está na minha cama.

Diz aí Luis Fernando o que "cê" vai fazer

O cantor levou o microfone até próximo de alguém, que cantou e falou, desafinado:


Eu vou comprar um chicote pra me defender.
Diz aí Luis Fernando o que "cê" vai fazer.
Eu vou comprar um chicote pra me defender.

Ele vai dar uma chicotada na barata dela
Ele vai dar uma chicotada na barata dela
Ele vai dar uma chicotada na barata dela
Ele vai dar uma chicotada na barata dela

Toda vez que eu chego em casa,
a barata da vizinha está na minha cama.
Toda vez que eu chego em casa,
a barata da vizinha está na minha cama.

Esse pagode da Barata da Vizinha se deixar vai embora, não tem hora pra acabar. Pelo jeito, por estarem participando da música, os convidados estavam animadíssimos, e eu ficando cada vez mais irritado. “Vou dar uma paulada na barata dela... Vou dar uma furada na barata dela. Vou dar uma esporada na barata dela”. A música estava caminhando pela sacanagem; e eu já revoltado, passando pela minha cabeça uma imagem lésbica, pensei: porque ninguém diz que vai dar uma encoxada na barata dela. Pior é que, logo depois, uma mulher cantou que ela ia dar uma encoxada na barata dela.

Pela enésima quadragésima vez, o pagode da barata voltou ao início:

Toda vez que eu chego em casa,
a barata da vizinha está na minha cama.
Toda vez que eu chego em casa,
a barata da vizinha está na minha cama.

Diz aí Vitória o que "cê" vai fazer.

Silêncio ao microfone, pela primeira vez. 

O cantor, os convidados e a banda repetiram a canção, deram um pouco mais de tempo para Vitória pensar numa palavra que daria ritmo a música, para continuar a brincadeira, a diversão. Quem sabe ela não foi pega de supetão. 

Toda vez que eu chego em casa,
a barata da vizinha está na minha cama.
Toda vez que eu chego em casa,
a barata da vizinha está na minha cama.

Diz aí Vitória o que "cê" vai fazer.

A Vitória não abriu a boca. Devia estar sentada numa mesa ao ar livre e com cara de quem estava de saco cheio da festa, cansada de ouvir pela enésima quadragésima vez essa música enjoativa da barata e estava querendo ir pra casa dormir. Igual o que eu estava tentando fazer. 

Ao se recusar a participar da brincadeira, a Vitória literalmente acabou com o pagode da barata da vizinha. Na verdade, ela acabou com a festa. Abanda cantou mais ou duas canções, mas sem o mesmo entusiasmo de antes. O som da música foi baixando mais e mais, até que parou de vez, com uma microfonia daquelas que doem. 

Então, graças a Vitória, o sossego voltou a tomar conta da vizinhança e eu pude dormir.

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