Contos de Ernane Martins

sábado, 8 de outubro de 2016

As Aventuras de um Candidato a Vereador



Em toda eleição, após a apuração, tevês e jornais só mostram os candidatos vencedores, a trajetória de vida, o que fizeram para ganhar o pleito, como o candidato com 5% das intenções de votos terminou a eleição com 53% e venceu no primeiro turno.

Muito pouco se sabe dos candidatos derrotados, dos milhares de vereadores que perderam a eleição, dos candidatos com poucos recursos que não tiveram cabos eleitorais e dinheiro de empresários ou do partido para bancar sua própria campanha. 

Vou contar as aventuras do meu irmão, Aldir, que se encaixa no perfil de candidato sem recurso. Ele foi candidato a vereador na cidade de Araquari, Santa Catarina, cidade vizinha de Joinville. Ele é mais conhecido politicamente como Prof. Aldir, trabalha como professor de História no colégio Higino Aguiar. Mas, em meio a família e amigos, chamamos o Prof. Aldir de Di. Apelido que carrega desde a infância. 

Então, como você ia lendo, ele foi candidato a vereador. Como ele não tinha cabos eleitorais e ninguém para apoiá-lo, com a cara e com a coragem, ele saiu a rua para pedir votos. Batia palmas nas casas, apresentava-se e entregava o santinho do tamanho do cartão de crédito. Mas muita gente que mora em Araquari é pedicheiro, gosta de trocar seu voto por carrada de barro, cesta básica, pagamento de conta de luz etc. Mas o Di não entrou na política para fazer as mesmas coisas que outros fazem e se tornar um político corrupto. 

Só para não dizer que não trabalhou sozinho nessa campanha, pagou um haitiano para entregar santinho para ele, por 35 reais e por um dia. O sujeito estava desempregado e meu irmão resolveu ajudá-lo um pouco. 


Nas andanças pela cidade de Araquari, algumas vezes ele foi mal recebido, passou por lugares perigosos, de tráfico de drogas, conhecia lugares que pessoas moravam da pior maneira possível. Foi ainda atacado duas vezes por cachorros. 

Mas também teve pessoas que o trataram bem, que o receberam dentro de suas casas, que o rodearam para ouvir as propostas dele. Não faltou também quem não oferecesse água, uma fruta, um banheiro para que ele pudesse urinar. Porque é feio um candidato a vereador michar na rua. Um dia até deram a ele uma trufa. 

Nos dias finais, ele intensificou a campanha. Teve um dia que ele voltou 11 horas da noite para casa. Mas na quinta-feira, três dias antes da votação, ele começou a sentir palpitações no coração. Mesmo assim, sentindo-se mal até, ele continuou fazendo campanha

No sábado a noite, um dia antes das pessoas irem votar, ele começou a sentir o coração bater mais acelerado, as palpitações se tornaram mais fortes. Poderia estar tendo um ataque cardíaco ou outro tipo de problema. Ele deixou a Talita, a filha de 6 anos, na casa da mãe e correu para o hospital. 

Ele foi transferido para a sala de observação. Fizeram exames, eletrocardiogramas e outros que nem sei o nome. Ele teve que passar a noite no hospital, no PA 24 horas. Toda a família ficou preocupada, mal conseguindo pregar os olhos. 

Amanheceu e os resultados dos primeiros exames começaram a chegar. Parecia estar tudo bem com ele. Ainda assim, continuou em observação. Lá pelo meio-dia, para não restar mais dúvidas, o médico resolver fazer o último exame. O resultado demoraria 4 horas para ser conhecido. 

Mas era domingo, dia de votação, ele tinha que votar nele mesmo. Ficaria muito chateado consigo mesmo se não conseguisse fazer isso. Imagina se ele perdesse a eleição por um voto. Voto dele mesmo. 

Durante o percorrer da tarde, com o avançar das horas e a demora do exame de chegar, por mais de uma vez, ele pensou em fugir do hospital, desplugar-se do soro e ir votar nele mesmo. 

Lá pelas 4 e pouco da tarde, o médico chamou para o atendimento um paciente com o nome terminado em dir. 

– Aldir? – gritou o meu irmão.

Não, o médico estava chamando pelo Valdir. 

Quase as quatro e meia, enfim, o médico chamou o Di para ser atendido. Disse que ele não estava sofrendo de nenhum problema cardíaco ou sendo vítima de nenhuma outra doença. As palpitações que ele estava sentindo pareciam ser provocadas pela ansiedade. 

Então o meu irmão quase que implorou para receber alta e correr até a zona em que ele votava. O médico o desplugou do soro e o Di saiu em disparada rumo ao carro, parado no estacionamento do P.A 24 horas. 

Só que ele estava em Joinville, precisava ir até Araquari para votar e só tinha pouco mais de 20 minutos para fazer isso. 

Ele pisou fundo no acelerador e foi que foi. O colégio Higino Aguiar, local de votação dele, fica quase na divisa entre Joinville e Araquari, e só é possível ser acessado por uma única estrada, a SC-418, de mão dupla, uma região movimentada até mesmo aos domingos. 

Para chegar no colégio a tempo, ele teve que fazer quase um malabarismo no trânsito, buzinando, pedindo passagem, passando por cima da calçada. 

Estacionou o carro e saiu correndo em direção ao colégio. Entrou nele quase como um carro de fórmula 1 cruzando a reta. 

Sendo reconhecido, algumas pessoas perguntaram:

– Agora que o Prof. Aldir vai votar? O que aconteceu?

Aí ele mostrou a etiqueta, o adesivo, onde ficou preso o soro, que por causa da correria nem teve tempo de tirar. 

– Professor, acho que não dá mais tempo de votar.

O meu irmão não desanimou. Foi ver para crer. Chegou a sua sessão eleitoral faltando poucos segundos para as 5 da tarde, horário em que encerra a votação. Apresentou o título e o documento com foto e caminhou até a urna eletrônica. Digitou 40.123 Prof. Aldir outra vez. Ouviu o som simpático que a urna emite após apertar o botão Confirma e sentiu o alívio se alastrar. 

Informações finais


Se esses acontecimentos fossem contados no cinema, o meu irmão seria eleito com diferença de somente um voto. Mas como a vida real não é um faz de conta, ele perdeu a eleição. Conseguiu apenas 100 votos, 19 votos a mais do que não eleição anterior, 2012, em que ele foi candidato a vereador em Araquari. 

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